Entre 2022 e 2024, o número de alunos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) matriculados em escolas comuns do Brasil mais que dobrou, passando de 405 mil para 884 mil, segundo o Censo Escolar do Inep. Apesar do avanço da inclusão, o cenário expõe falhas graves na preparação das escolas para lidar com episódios de crises, que podem envolver agressividade.
Educadores relatam falta de capacitação para agir diante de comportamentos de risco. Em casos recentes, professores usaram contenções físicas não permitidas por lei, como sentar sobre alunos ou aplicar rasteiras, atitudes que colocam todos em perigo. No Brasil, não há protocolo oficial que regulamente o uso de força em situações escolares, o que torna qualquer intervenção física uma zona cinzenta jurídica e ética.
“Sem formação adequada, o professor se vê entre dois extremos: ou deixa o aluno se machucar, ou tenta contê-lo fisicamente, aumentando ainda mais os riscos”, afirma a psicóloga Meca Andrade, referência internacional em inclusão escolar e análise do comportamento.
Especialistas recomendam que escolas adotem estratégias preventivas baseadas em desaceleração e evasão — técnicas não invasivas que ajudam a acalmar o aluno e evitar o agravamento de crises. A chave está na capacitação contínua dos profissionais, no conhecimento individual dos alunos e no fortalecimento do diálogo com as famílias.
A ausência de preparo afeta também a percepção dos demais responsáveis. “Se a escola não souber intervir de forma segura, os pais dos outros alunos podem exigir a exclusão da criança com deficiência, criando um ambiente hostil”, alerta a neuropsicóloga Joana Portolese, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
O Ministério da Educação afirma que as formações oferecidas focam em aspectos pedagógicos, sem orientação terapêutica padronizada. Para o MEC, a prioridade deve ser eliminar barreiras e realizar estudos de caso individualizados.
A psicopedagoga Alcinda Castor, mãe de um jovem autista de nível 3, conta que o filho precisou de três adultos para contê-lo durante a infância, mas ninguém na escola tinha preparo. “Ele foi afastado por seis meses porque ninguém conseguia lidar com ele”, relata.
Os profissionais defendem que a formação seja voltada para o início da crise — o "topo da ampulheta", como ilustram. Nesse momento, há mais alternativas de manejo do comportamento. No ápice da crise, restam poucas opções seguras.
Além disso, o uso de ferramentas de comunicação assistiva pode reduzir significativamente episódios de agressividade em alunos não verbais. “O problema não é o comportamento em si, mas a falta de estrutura para entendê-lo e preveni-lo”, conclui Fábio Oliveira, diretor do Centro de Apoio ao Autista de Osasco.