Uma pesquisa divulgada pela Defensoria Pública da União (DPU) e o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC) revela um dado preocupante: o Brasil já possui 376 projetos ativos de reconhecimento facial, com potencial de vigiar quase 83 milhões de pessoas — cerca de 40% da população.
O relatório, intitulado Mapeando a Vigilância Biométrica, mostra que a adoção dessas tecnologias ganhou força após a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016, mas sem que o país acompanhasse com leis, controle ou transparência.
Segundo os pesquisadores, ao menos R$ 160 milhões já foram gastos com sistemas de reconhecimento facial, a maioria em órgãos públicos de segurança. No entanto, o uso dessas ferramentas ocorre sem regulamentação nacional, sem protocolos padronizados, e com risco real de erros, abusos e discriminação racial.
Casos como o do personal trainer João Antônio Trindade Bastos, confundido com um foragido em um estádio de futebol, mostram como essas falhas têm efeitos graves. Bastos, homem negro, foi retirado à força da arquibancada e só foi liberado após longa verificação de documentos.
Entre 2019 e abril de 2025, o CESeC identificou 24 casos de erros envolvendo reconhecimento facial no Brasil. Segundo o relatório, mais da metade das abordagens policiais baseadas em TRFs resultaram em identificações equivocadas. Os erros são especialmente altos entre pessoas negras, indígenas e asiáticas, chegando a ser de 10 a 100 vezes maiores do que entre pessoas brancas, segundo estudos internacionais.
O PL 2338/2023, aprovado pelo Senado em dezembro de 2024, busca regular o uso da inteligência artificial e sistemas biométricos. No entanto, os especialistas alertam que o texto possui muitas exceções e pode funcionar como uma autorização ampla para uso das TRFs, sem garantias reais de controle.
Aprovação de uma lei específica sobre reconhecimento facial
Proibição do uso em tempo real em locais públicos, com exceções claras
Auditorias independentes regulares
Transparência nos contratos e dados utilizados
Autorização judicial prévia para uso investigativo
Limite de tempo para armazenamento de dados biométricos
Capacitação de servidores que operam os sistemas
Controle rigoroso sobre empresas privadas envolvidas
“Esperamos que esses achados possam não só orientar e subsidiar a tramitação do PL 2338 na Câmara dos Deputados, mas também servir de alerta para que órgãos reguladores e de controle estejam atentos ao que ocorre no Brasil. O relatório evidencia tanto os vieses raciais no uso da tecnologia quanto problemas de mau uso de recursos públicos e falta de transparência na sua implementação”, afirma, em nota, o coordenador-geral do CESeC, Pablo Nunes.